OS DOIS CRIMINOSOS E A CRUZ



Barrabás diante da Cruz

"Dê-nos Barrabás!", ilustração do volume 9 de 
The Bible and its Story Taught by 
One Thousand Picture Lessons, 1910 
(colorizada posteriormente).

Quando Barrabás, tristonho, maltrapilho e exibindo extensa chaga em sua cabeça, adquirida na prisão, fitou o Cristo pendurado na cruz, passou a refletir: “Por que motivo fora o Cristo condenado? Não era o Cristo o Sol do novo dia, o Grande Prometido anunciado?”.

O pobre Barrabás, que tivera o favor da multidão obtendo o perdão em lugar de Jesus, parou ali, fitando longamente o réu crucificado. Enquanto se ralava em pensamento, pequena gota de suor sangrento veio de Jesus morto na cruz até ele, trazida pelo vento, caindo-lhe na ferida que trazia no crânio. Verificando que a chaga que trazia na cabeça foi curada, ele ergueu a voz ao Céu e exaltou-se dizendo:

− “Agradeço-te, oh! Deus Onipotente, a inesperada graça. Curaste-me com o suor de teu Messias a ferida cruel que me arrasava os dias. Não quiseste salvar quem falava em Teu nome e fizeste-me livre novamente”.

Tomado de orgulho, Barrabás dizia ainda: “Colocaste-me acima de Jesus! Matei, furtei, prejudiquei. No entanto, vejo-me sob a força de Teu manto. Desprezaste a Jesus e libertaste a mim! Livre, tal qual me vejo, serei eu o maior?”.


Ecce Homo (c.1880), de Antonio Ciseri.

Nesse momento, segundo revelação da poetisa Maria Dolores, no livro Somente Amor, psicografado pelo médium Chico Xavier, um dos anjos de alto nível que velava o Cristo, representando os Céus ao pé da cruz, disse-lhe:

− "Barrabás, não nos roubes a paz, nem blasfemes à frente de Jesus! Entre a tua existência e a senda do Senhor, a diferença é ilimitada, pois Jesus se eleva em liberdade plena à vida soberana. Quanto a ti, na estrada humana, continuas cativo às correntes da treva que teceste em torno de ti mesmo".


Cristo na Cruz (1632), de Diego Velazquez.

Barrabás, assustado, pôs-se em pranto e, vergado de dor, angústia, espanto, viu-se debaixo do temporal rude e violento, preso às cadeias do arrependimento.

Solitário, desceu chorando as pedras do calvário, falando a sós, alarmado e também abatido: “Graças te dou, meu Deus, por haver compreendido! Necessito da Terra. É preciso aprender!”

GERSON SIMÕES MONTEIRO é presidente da Fundação Cristã-Espírita Paulo de Tarso, do Rio de Janeiro, RJ, e diretor da Rádio Rio de Janeiro. Crônicas e Artigos, no jornal Extra-RJ, Ano 1 - N° 27 - 19 de Outubro de 2007.



A promessa de Jesus ao bom ladrão


Crucificação, de Harry Anderson.

Jesus, ao aparecer para Maria Madalena, três dias após a Sua morte, provou que a alma continua vivendo após o fim do corpo físico.

A aparição do Mestre à ex-pecadora se deu como Espírito materializado diante do seu túmulo vazio, pois o corpo já tinha sido por Ele desmaterializado. Na ocasião, pediu que ela não O tocasse, pois ainda não havia subido às regiões celestiais.

Segundo a Bíblia, o Cristo em Espírito permaneceu entre nós durante quarenta dias, período no qual, além de aparecer a Madalena, apareceu também a Maria, mãe de Thiago, e Maria Salomé, quando elas se dirigiam ao local onde fora colocado o Seu corpo.

Nesses quarenta dias depois de morto, o Cristo foi reconhecido por dois de Seus discípulos, na Estrada de Emaús.

Isso ocorreu também, por duas vezes, no local onde os onze apóstolos se reuniam, oportunidade em que Tomé tocou Seu Espírito materializado; e ainda pelos mesmos apóstolos, perto do Lago de Tiberíades. Por último, Ele foi visto por cerca de 500 dos Seus seguidores na Montanha da Galileia, ao fazer-lhes Suas últimas recomendações.


Depois disso, Jesus, na condição de Espírito materializado, seguiu com Seus apóstolos para o Monte das Oliveiras. Lá, ao término de Suas últimas instruções, fez a sua ascensão para a vida espiritual.

Agora, se Jesus não ascendeu às regiões celestiais no mesmo dia da sua morte e sim quarenta dias depois, como podemos conciliar a Sua promessa no alto da cruz a Dimas, o “Bom Ladrão”, de que “hoje mesmo estarás comigo no paraíso”? É claro que Jesus não mentiria jamais. Mas como podemos então interpretar o verdadeiro significado da Sua afirmação?

Simplesmente porque Dimas, ao arrepender-se de todo o mal que havia feito, rendeu-se inteiramente ao Cristo naquele instante, naquele dia, significando exatamente a expressão “hoje mesmo”. Ou seja, naquele mesmo dia o “Bom Ladrão” encontrou a paz de espírito, a paz interior – o verdadeiro paraíso.

Por essa razão, concluímos que Paraíso é um estado de consciência e não um local determinado no espaço.

Ao garantir a Dimas a entrada no Paraíso, Jesus estava dizendo que ele iria para lá a fim de ser reeducado, para depois reencarnar muitas vezes até atingir a perfeição espiritual. Isto é, a mesma perfeição alcançada por Jesus e que nós, um dia, também alcançaremos.

GERSON SIMÕES MONTEIRO é presidente da Fundação Cristã-Espírita Paulo de Tarso, do Rio de Janeiro, RJ, e diretor da Rádio Rio de Janeiro. Fonte: Crônicas e Artigos, no Jornal Extra-RJ, Ano 2 - N° 53 - 27 de Abril de 2008.

Obs: 

O Espírito Amélia Rodrigues, na obra ...Até o Fim dos Tempos (ed. LEAL), através da psicografia de Divaldo Pereira Franco, revelou que na crucificação de Dimas estava presente a mãe: Tamar, mulher que sofria com os crimes do filho desde a juventude dele. 

Dimas prometeu (falsamente) a mãe que largaria a criminalidade a fim de casar-se com a noiva, Esther, assim que empreendesse viagem, às terras do além-Jordão, em busca de trabalho honrado. Porém, foi aprisionado quando tentava assaltar caravanas de viajantes com o cúmplice: Giestas ou Gestas.

Após ouvir o arrependimento e a assistência de Jesus a Dimas na cruz, Maria de Nazaré confortou a desfalecida Tamar garantindo-lhe que o Filho realmente receberia o Bom Ladrão no "Reino de Deus", pois era o tão aguardado Messias.


Mais detalhes sobre Dimas, o Bom Ladrão

Seu nome era Dimas. Sentenciado, aguardava a execução, na prisão. Graças ao sumário e vergonhoso julgamento de Jesus de Nazaré, a execução foi adiantada, eis que tudo deveria acontecer antes da Páscoa judaica.

Arrancado da prisão, junto a Gestas, companheiro de loucuras e de cela, inicia a grande marcha. Grande, não pela extensão, pois que do Pretório de Pilatos à colina do Calvário vai menos de um quilômetro. Grande, pelo seu significado.

Dimas contempla maravilhado a Jesus. Ele dormiu à noite, na prisão. Também foi alimentado e não tem sede.

O homem de Nazaré, contudo, está fraco. Perdeu muito sangue e no Seu rosto ainda escorrem gotas vermelhas, saindo das feridas provocadas pela coroa de espinhos.

É habitual, entre os criminosos autênticos que, em registrando prisioneiros inocentes entre eles, dêem mostras de delicadeza, de compaixão e de estima, algo semelhante a um sentimento de respeito e proteção para com quem é vítima da injustiça dos homens.


Cristo e o Bom Ladrão (1566), de Ticiano.

Este sentimento é que deve ter tomado conta de Dimas. Aquele homem, ele já ouvira falar Dele, era alguém que somente semeara Amor em Seu caminho. Como O podiam tratar daquela forma?

O Justo carrega a sua cruz. O arrependido também. O primeiro caminha curvado ao peso do madeiro, cambaleando, parando, a respiração opressa e o pulso acelerado. Dimas se indaga o porquê de tanto ódio do populacho que acompanha o triste cortejo.

Constata que os soldados de Roma não estão ali para impedir a fuga dos três sentenciados. Encontram-se ali para defender Aquele que segue à frente da multidão que O apupa, grita e gargalha. O centurião dá ordem aos legionários para rodearem a Jesus, a fim de que os mais exaltados não O agridam.

Os dois salteadores vão andando, mais atrás. Apesar dos insultos e impropérios que Gestas vai dirigindo aos que deles se aproximam, o povo não o apupa. Tudo é dirigido para Aquele que é considerado o maior celerado: Jesus.


Cristo entre os dois ladrões (perfuração do flanco) (1619-20), de Rubens.

A marcha ascende pelo bairro de Acra. As pessoas olham das janelas, pelas esquinas, pelos terraços. A ladeira começa a ser vencida, depois vem a descida.

O lugar do suplício está próximo: uma elevação de terreno calcário, onde uma vegetação mesquinha mal consegue disfarçar a nudez das rochas.

Dimas sente o sangue gelar nas veias à perspectiva da morte próxima. Apavora-se, igualmente, ao pensar que o Justo também vai morrer.

Ofertam-lhe, como a todos os supliciados, uma taça de narcótico amargoso, a fim de diminuir a sensação da dor. A droga era o sumo das folhas de híssope.

Enquanto alguns soldados iniciam a crucificação de Jesus, outros realizam a dos malfeitores. Dimas se debate e convulsiona, em desespero e dor, clamando contra a injustiça. Sua frio e o coração está em disparada.

O primeiro prego lhe penetra fundo o pulso. Ele luta desesperadamente por se libertar. Sente vertigens e tudo gira à sua volta.


O que Nosso Salvador viu da Cruz (séc. XIX), de James Jacques Joseph Tissot.

Como o tronco vertical da cruz já estava em pé, por meio de cordas, foi suspensa a barra horizontal com o corpo, e os pés foram nela cravados.O anestésico romano aliviava, mas não extirpava a dor. Dimas se move sem parar e quanto mais se movimenta, mais os pregos roçam as raízes nervosas dos pulsos e dos pés.

Ele daria qualquer coisa para sair dali. Se tivesse outra chance, voltaria ao passado e refaria a vida. Seria o mais bem comportado de todos os homens, desde que o liberassem daqueles cravos enterrados em suas carnes.

Um letreiro, acima de sua cruz, indicava o motivo pelo qual sofria o suplício. A crucifixão era um suplício que chegava a durar três dias. As cruzes eram dispostas em local que pudessem ser vistas por todos, pois o objetivo de Roma era deixar bem claro que aquele seria o destino de todo aquele que ousasse erguer o braço contra a Águia poderosa.

Dimas está à direita da cruz de Jesus. Os soldados repartem entre si as vestes dos três homens. Era costume que o sentenciado fosse levado ao local da execução com suas próprias vestes e totalmente despidos, ao serem crucificados.As horas que se seguem são de zombaria e insulto. Toda a pequenez e a ignorância humanas se voltam contra a Luz que morria, sem um queixume.


Retorno do Calvário (c.1904), de Herbert Gustave Schmalz.

Alguns lhe exigem que desça da cruz e salve a Si mesmo. Outros lhe indagam, entre gargalhadas, onde estão os Seus milagres, onde se encontra todo o Seu poder.

Gestas se contorce e cheio de ódio, alia-se aos que O insultam, exclamando:

"Se tu és o Cristo, salva-te a ti mesmo e a nós que estamos para morrer contigo!"

Dimas vira as costas mutiladas de Jesus, quando O despiram. Vira o corpo coberto de hematomas. Viu um homem fraco e debilitado. Mas viu muito mais: Aquele não era um homem comum. Era um rei, cujo reino ultrapassava a compreensão humana.

Jesus não emitia uma única queixa, nem revidava nenhum dos insultos. Ao contrário, suplicara: "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem...".

Aquele Homem era um Rei que venceria a morte. Ele estava caminhando para o Seu reino, invisível, mas real.

Assim, logo responde Dimas a Gestas:

"Tu te encontras às portas da morte e mesmo assim, não te arrependes dos teus erros? Ambos sabemos que merecemos a cruz, porque somos criminosos. Mas este nenhum mal fez."


Crucificação (1880), de Thomas Eakins.

O criminoso parece ser tomado por um clarão de esperança. Volta-se para o Cristo e pede: "Senhor! Lembra-te de mim, quando entrares no teu reino!"

Ele sentia a vida se lhe esvair do corpo, mas deseja viver. Viver em outra paisagem. Uma paisagem de flores, onde Jesus é o jardineiro. Deseja ser uma das flores a serem tratadas por quem era capaz de perdoar os que O supliciavam. Deseja adquirir aquela serenidade e paz que manifesta o Homem que se encontra na cruz do meio.

A resposta de Jesus foi instantânea. Não foi preciso que Dimas lhe confessasse as mazelas. O Mestre da Vida o acolhe:

"Dimas, na verdade te digo que hoje mesmo estarás comigo no paraíso!"

Ao longo dos séculos, as pessoas se têm indagado que Paraíso seria esse. Naturalmente, não o Paraíso das delícias, pois que Dimas tinha um passado a expiar. Desejava se reformular, é isso que o seu pedido exprimia. E Jesus lhe diz que o conseguirá.

Não fora Ele mesmo que acenara com a bem-aventurança aos aflitos, porque seriam consolados?

Jesus lhe afirmava que, após a morte, o espírito prosseguiria perseguindo a felicidade, numa nova rota, segundo a Lei de Justiça e Amor de nosso Pai.

Os condenados agonizam devagar. O peso do corpo distende os tecidos, ampliando os rasgões da carne. O corpo estremece em arrepios. Os dedos se agitam, o tórax se projeta para a frente, salientando os arcos das costelas.

Dimas vê Jesus dobrar a cabeça, enterrar o queixo no peito e dizer:

"Tudo está consumado!"


Crucificação (séc. XIX), de Carl Bloch.

Era a hora nona, ou seja, três horas da tarde. Seis horas na cruz e Ele se fora.

O suplício de Dimas prossegue.

Segundo as leis judaicas, e que o governo romano respeitava, os corpos dos sentenciados não deveriam ficar suspensos no patíbulo durante a grande solenidade pascal, que começava ao pôr do sol da sexta-feira.

Por isso, uma embaixada foi ao Pretório rogar a Pilatos que mandasse retirar os corpos dos crucificados. Para os atender, o Procurador da Judéia ordenou que os soldados fossem ao Gólgota, com malhos pesados e quebrassem as pernas aos prisioneiros, apressando-lhes a morte.

Assim foi feito aos dois criminosos, Gestas e Dimas. Este, adentrou à Espiritualidade com disposição de retificar os seus erros e, conforme a promessa que Lhe fizera o Cristo, descobriu o Paraíso do desejo do Bem, da ensancha de lutar para ser melhor, até alcançar a Perfeição.

Matéria publicada no Jornal Mundo Espírita - abril/2005

Bibliografia:

01.BÍBLIA, N.T. Mateus. Português. Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica, 1966. cap. 27, vers. 38.
02.______. Lucas. Op. cit. cap. 23, vers. 32, 39-43.
03.______. João. Op. cit. cap. 19, vers. 18, 31-34.
04.CURY, Augusto. A 3ª hora: cuidando de um criminoso e vivendo o maior dos sonhos. In:___.O mestre do amor. São Paulo: Academia de Inteligência, 2002. cap. 8.
05.ROHDEN, Huberto. A crucifixão. In:___. Jesus Nazareno. 6. ed. São Paulo: União Cultural. v. II, pt. 3, cap. 188.
06.______. A sepultura de Jesus. Op. cit. pt. 3, cap. 190.
07.SALGADO, Plínio. A grande marcha. In:___. Vida de Jesus. 21. ed. São Paulo: Voz do Oeste, 1978. pt. 5, cap. LXXIII.
08.______. Consumatum est! Op. cit. pt. 5, cap. LXXV.
09. XAVIER, Francisco Cândido. O bom ladrão. In:___. Boa nova. Pelo espírito Irmão X. 8. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1963. cap. 28.


Ressurreição (séc. XIX), de Carl Bloch.